terça-feira, 29 de junho de 2010

Hit the road, Jack.


“Tudo da vida é um país estrangeiro”. A geração beat começou para mim com O uivo de Allen Ginsberg, mas fui entendê-la em sua essência com Jack Kerouac. À meu ver, aliás, deveria ser proibido ler qualquer um deles, Neal Cassady, William Burroughs e principalmente o próprio Ginsberg sem que o cidadão não tenha passado pela transcedental experiência que é ler On the road.
Povoando minha imaginação com promessas de uma liberdade feroz e totalmente desmedida, On the road era um daqueles livros que mantemos em nossas listas de “próximas leituras” eternamente e assim o seria caso um amigo meu (o também falante desse blog, Gabriel Ribeiro) não o tivesse comprado e, à seguir, me emprestado. E o que se seguiu durante o tempo em que eu passei lendo a considerada bíblia hippie de Jack Kerouac foram algumas semanas angustiantes acompanhando o roteiro de indas e vindas desse cara pela rota 66 dos Estados Unidos em busca de algo. Algo que ele não sabia o que era, algo que não era físico ou tangível, mas que era tão forte que o fez agüentar agruras e passar por diversas dificuldades nessa busca, quase sempre acompanhado de seu companheiro, Neal Cassady. “Eu não tinha nada a oferecer a ninguém a não ser minha própria confusão” diz Jack, em uma das passagens mais marcantes.
O que me impressiona em On the road não é a aventura em si – para mim, talvez tomado pela mentalidade tipicamente burguesa em que minha mente foi moldada, Jack Kerouac e todos os seus companheiros eram grandes irresponsáveis. Neal Cassady deixou, pelo menos no espaço de tempo em que se passa On the Road, quatro filhos espalhados pelo território norte-americano sem dar conta de nenhum. Mas o que me encanta, sobretudo, e a fé que essa geração beat colocava em um objetivo de vida cuja primazia era a liberdade sem conseqüências, uma liberdade que não iria acarretar em nada senão si mesma. Jack e Neal, assim como Ginsberg e os outros, eram escritores, poetas, mas ao mesmo tempo lavadores e guardadores de carro, marinheiros, carregadores. Assumiam funções temporárias sem nunca terem se submetido à um gabinete de professor universitário ou uma redação de jornal (e, em grande parte, os expoentes da geração beat se conheceram na Universidade de Columbia) justamente porque sabiam serem homens em movimento, livres.
Sua literatura não surge aí como objeto de consumo intelectual, fruto de reflexão ou de um conhecimento adquirido, mas sim como o registro dessa liberdade, como se a única forma de aprisioná-la fosse justamente nas páginas de um livro. On the road nada mais é do que um diário de bordo. Foi escrito, imagino eu, em diários, cadernos rotos e amassados e milhares de guardanapos de lanchonetes de estrada e posteriormente transcritos por Kerouac num fôlego só durante dias à fio em que esteve trancado num apartamento (o que, por vezes torna sua leitura bastante cansativa e maçante).
Sobretudo, as coisas se amarraram para mim após ler esse livro. A liberdade de que a geração da década de 60 e 70 falava foi uma herança dos beats. Essa busca, entretanto parece infundada em um mundo onde tudo que fazemos precisa ter uma motivação. Desobedecer ao que chamamos de certo implica apenas numa transgressão, mas desobedecer a vida que chamamos de certa implica, aí sim, numa obra de arte. “E na época, eu tinha muitas fantasias românticas, e suspirei diante da minha sina. A verdade da coisa é, você morre, tudo que você faz é morrer, e contudo você vive, sim, você vive, e isso não é uma mentira” .
Janis Joplin canta um verso em Kozmic Blues que diz: Time keeps movin' on/ Friends they turn away /I keep movin' on/ But I never found out why. De certo modo, o mesmo acontece com Kerouac à medida em que, após sua primeira viagem, ele não consegue mais parar. Como uma árvore que, após arrancada do solo, não consegue achar espaço para suas vastas raízes, permanecer em Nova York e levar uma vida dita “comum” é inaceitável, e ele parte. Passa um bom tempo de sua juventude e início da vida adulta partindo, na estrada. "Nossa bagagem maltratada fora empilhada na calçada novamente; nós tínhamos mais caminhos para percorrer. Mas não importa, a estrada é a vida."
Deste modo, poderia dizer que On the Road é o registro do ponto alto da vida de Jack Kerouac. Enquanto houvesse uma estrada a ser percorrida, esse autor que é genuinamente um viajante escritor e não o contrário talvez não parasse. Mas de fato parou e a vida que se seguiu para Kerouac não foi nem um pouco glamourosa – o beat terminou seus dias vítima de uma cirrose, morando em um apartamento pequeno com a mãe. Para uma sociedade que vivia intensamente o American way of life, Keroauc pecou e pagou um preço por isso. Mas teve, e isso poucos artistas contemporâneos seus tiveram, uma vida que servia de matéria-prima para alimentar sua arte. "Qual é a sua estrada, homem? A estada do garoto místico, a estrada do homem louco, a estrada do arco-iris, a estrada dos peixes, qualquer estrada. Há uma estrada em qualquer lugar para qualquer pessoa em qualquer circunstância". Fica, entretanto, a pergunta: vale a pena? E para essa, um outro escritor mais antigo e menos americano já havia dado a resposta há muito tempo.

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Nem ufanismo, nem pessimismo, mas sim Patriotismo

Em ano de Copa do Mundo é notável a grande mudança da rotina do brasileiro, o país inteiro pára no horário do jogo e a festa é feita. Gritos e coros repetitivos são pronunciados por todo mundo, na tentativa de enaltecer um “falso” patriotismo. Não sou dos adeptos que acreditam que a causa da alienação da sociedade é o Futebol (creio que seja apenas um meio de propagação), mas sim de que o brasileiro, de uma forma generalizada, tem uma visão distorcida do que é ser patriota.

Para a maioria da nação, patriotismo só existe de 4 em 4 anos. Torcer pelo Brasil nos esportes, não deixa de ser uma forma de devoto à pátria, mas é uma pequena parcela da importância do significado original da palavra que é: Amar seu país! Em qualquer circunstância, inclusive nos esportes; e quando digo amar, não quer dizer que você tenha que mascarar seus defeitos e enaltecer as qualidades, mas sim, expô-los e pensar em maneiras para resolvê-los. Caso contrário estaria caindo pro lado do Ufanismo (amor incondicional).

Por outro lado, há aqueles que teimam renegar a própria origem e ao mesmo tempo exaltam outra cultura, dizem que nada presta, ou que de outro lugar é melhor. Mas como “o gramado do vizinho é sempre mais verde”, percebe-se uma falta de imaturidade nesse tipo de discurso, uma vez que em todo lugar há seus pontos positivos e negativos. A diferença esta em como cada povo expõe os seus.

O que estou tentando propor, é que haja uma mescla entre esse ufanismo ainda presente e o pessimismo exacerbado na população. Mantendo o foco no bem comum, melhoraríamos as relações humanas e perderíamos o rótulo de país antipatriota.


quinta-feira, 24 de junho de 2010

Democratização do ensino: como construir a democracia?

A Rádio CBN criou um concurso de jornalismo universitário que propõe à alunos de jornalismo produzirem reportagens de rádio em qualquer formato, com o seguinte tema: como a formação educacional contribui para o exercício da cidadania. À princípio o tema me interessou e, bastante animado com a perspectiva de ter uma reportagem minha veiculada na CBN, comecei a escrever a matéria discutindo essa questão tão empírica que é a influência da educação na cidadania.
Não é algo complexo ou tão relevante em um processo de conscientização individual - mesmo a mais vulgar das análises já percebe que para construir uma sociedade democrática é necessário ter também uma educação democrática. Lembro que, no cursinho, ao explicar a formação cultural e erudita dos atenienses, o professor de História disse uma frase que me marcou profundamente: é claramente perceptível o porquê dos atenienses ensinarem à seus jovens música, literatura, teatro e política, afinal, são eles que cuidarão do cenário político-social em que viviam. Em outras palavras, sabendo que a pólis seria regida futuramente por aqueles jovens em formação, os adultos se preocupavam previamente em trabalhar na construção de uma formação sofisticada para esses jovens afim de construir, consequentemente, uma sociedade melhor.
Em contrapartida, estudando em uma universidade pública eu vejo que passamos por um problema muito forte no que diz respeito à formação da consciência individual e coletiva. Inicialmente esse problema se dá pelo já debatido, rebatido e milhares de vezes discutido tema da educação pública fundamental. Sucateamento, falta de professores, criminalidade, enfim, todas essas palavras se priorizam frente a uma discussão mais aprofundada: para que formamos? O estudante brasileiro possui uma formação individual e, sobretudo, individualista. Ele não é um estudante construído para viver a coletividade em sua plenitude - alguns colégios particulares, como aquele em que estudei, pregam esse discurso da coletividade e se dizem praticantes dessa pedagogia com iniciativas como "incentivo ao esporte", "exigência de trabalhos em grupo", etc... Entretanto, nossa formação educacional se dá desde o início para um funil (mais conhecido como vestibular) que exige de você uma competitividade excessiva e um acúmulo de informações frenético, que se sobrepõe ao aprendizado. Em outras palavras: não aprendemos História ou Geografia, como os atenienses faziam, para nos formarmos melhor enquanto cidadãos. Aprendemos História e Geografia porque o vestibular vai cobrar de você, aluno individual, no futuro.
Sendo orientado dessa maneira, como cobrar, portanto, do estudante universitário, acostumado com essa individualização e tendo obtido um grande resultado por ela (ou seja: o aprovado em um vestibular de uma universidade pública vê um sentido pleno nesse processo, uma vez que conseguiu alcançar seu objetivo) que ele se preocupe com o estudante que não passou no vestibular? Sobretudo com aquele estudante que sequer prestou vestibular? Indo mais fundo ainda: como pode-se querer formar nesse estudante universitário uma consciência que o faça se preocupar com o jovem de mesma idade da sua que sequer estudante é?
Nesse índice de setorização e individualização, vemos universidades públicas financiadas com dinheiro público, sustentadas por uma sociedade inteira, que não devolvem para essa sociedade profissionais que construirão algo a seu favor. Nesse sentido, a educação básica que nos é dada é tão precária que afeta, sumariamente, a democracia não institucional que deveria reger nossas relações humanas e sociais e que deveria ser responsável por promover a cidadania em cada um. Enquanto as bases não forem mudadas e planejadas, enquanto sistemas de inclusão universitária tão medíocres como o vestibular continuarem a ser implementados, os estudantes universitários continuarão a ser peças indiviualistas com siglas de renome em seu diploma, cujo trabalho será sempre direcionado ao "eu" e nunca ao "nós".

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Pão & Copa


Essa semana Semana passada começou definitivamente a festa do futebol, sim, estamos falando da copa, um evento esportivo que talvez una as pessoas mais que as olimpíadas, visto que as atenções estão todas concentradas.
Os países fazem grandes projetos e levam até à FIFA para poderem sediar o torneio, e é claro, não é apenas por amor ao futebol, o principal motivo divulgado pelas candidatas a sede, é o retorno econômico que a nação terá, com propagandas, e turismo, que realmente gera uma enorme renda para a nação, porem, o retorno não é suficiente para cobrir os investimentos, em estádios e infra-estrutura, o que nos mostra que esse não é o real motivo para tanto empenho em receber o evento.
O principal motivo de um país querer receber a copa, é para deixar sua população mais feliz e menos ligadas aos assuntos políticos, ou eleições presidenciais brasileiras em anos de copa é mera coincidência?
É a famosa política do pão e circo, que foi criada no império romano, mais até hoje é seguida por muitos governos, no Brasil, para exemplificar o “pão” nos tivemos o “Bolsa Família”, que em muitos lugares deixou as pessoas acomodadas, e em outros aumentou a corrupção, fazendo com que pessoas que não precisam desse dinheiro o consigam por ter influência, ou outros meios ilegais. E o circo, em muitos países são os eventos esportivos, olimpíadas, olimpíadas de inverno, jogos pan-americanos, copa, ou então shows gratuitos.
Jogadas políticas são necessárias para qualquer governo, porém é triste ver que eventos como a Copa, estão se tornando apenas meios, e que toda a paixão que move o esporte, esteja sendo usada como ferramenta para controlar a população.

P.S.:alguem viu o 7x0 de portugal em cima da coreia do norte hoje?

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Nova onda Francesa

Há algumas semanas atrás, foi lançado nas salas de cinema da cidade de São Paulo o filme Truffaut, Godard e a Nouvelle Vague, um documentário em celebração dos 50 anos da famosa “Nova” Onda do cinema francês. Eu sinceramente não conheço direito essa vertente cinematográfica, até hoje assisti à apenas um filme do Godard e este é muito recente, pensando eu, para fazer parte dela. Por isso não pretendo falar dela, pretendo só relembra-la para falar do cinema francês que está sendo feito agora e que ,para mim, pode ser vista como uma nova onda do cinema francês.



Ano passado foi ano da França no Brasil, portanto muitos eventos diplomáticos e culturais ocorreram, principalmente na capital paulista para comemoração desse período. Restaurantes com cardápios especiais, exposições de artistas plásticos, o presidente Nicola Sarkozy deu o ar da graça, mostrando toda sua desenvoltura ao ficar olhando as pernas das acessoras brasileiras... e também muitos filmes aparecem no circuito comercial da cidade, comercial eu digo no sentido técnico, por eles só foram exibidos nas salas mais especializadas da região do centro. Tudo isso para falar que, em duas ocasiões, quando eu pude dar uma escapada dos livros do cursinho e ir ao cinema, eu acabei optando por ir ver alguns desses filmes. E o que mais me impressionou foi que esses filmes, além de sua grande qualidade, se assemelham em alguns aspectos.

O primeiro deles foi o ganhador da Palma de Ouro de 2008, Entre os muros da escola. Nesse filme é contada a história do cotidiano de uma escola publica da periferia de paris, nela se encontram alunos de diversas origens como, africanos, asiáticos, árabes e os próprios franceses de classe menos abastada. Algo que se destaca logo de inicio é o ritmo do filme, as cenas são longas, mas o os ocorridos são rápidos dando uma mistura de tempo diegético e tempo real muito interessante, transcorrendo diálogos incríveis entre o professor e os alunos que, diga-se de passagem, atuam com primor, tendo em vista que todos são não atores. François Bégaudeau, escritor do livro que é baseado o filme e interprete de si próprio no papel do Professor, junto do o diretor Laurent Cantet decidem mostrar os desafios passados por esses jovens de famílias imigradas, por vezes ilegalmente, em um universo cheio de desafios e provações, como a falta de dinheiro e o preconceito por parte da sociedade francesa, da maneira mais realista possível, mas usando as relações escolares para isso, através da discussão entre alunos e professor.

Já o segundo foi o polemico e ganhador de três prêmios no festival de Berlim, Bem-Vindo. Para explicar por que ele foi polemico, devo falar um pouco da historia do filme. Ele conta a trajetória do Jovem Curdo Bilal, que tenta chegar na Inglaterra para encontrar com a família de sua antiga namorada e realizar o sonho de se tornar um jogador de futebol. O problema é que ele é pego em sua tentativa de travessia (em uma cena emocionante onde os imigrantes ilegais tem de ficar por vários minutos sem respirar dentro de um caminhão) e por ser menor de idade ele não pode ser extraditado. Perdido em Paris, o jovem cria como meta a idéia maluca de atravessar o canal da mancha a nado, para isso começa a ter aulas de natação com Simon, que o ajuda de diversas maneiras, com a intenção de se reaproximar de Marion, sua ex mulher que é ativista na ajuda aos imigrantes, isso lhe resulta diversos problemas devido a uma lei que pune quem ajuda imigrantes. A polemica vem do fato de que, essa lei era real, e que após a estréia desse filme, o partido socialista francês propôs o fim dessa lei, causando certa tensão na área política que, nesse quesito, tem se tornado cada vez mais intolerante.

Lendo, pode parecer que a única semelhança entre esses fatos seria a temática da crise imigratória que vem ocorrendo na França nos últimos anos, porém o que eu tento levantar aqui para atenção das pessoas é a forma como essas historias são passadas em um filme, seguindo um enredo e uma construção fílmica extremamente realista, tão realista que um deles chegou a influenciar até na ação dos políticos. Acho que essa iniciativa, hoje em dia, é vista com maus olhos pelas maioria das pessoas, taxando o filme como intelectual ou de arte e que por isso significa ser chato ou ruim. Esse pensamento é errado e complicado de se mudar. Não discordo da existência de filmes voltados para um publico especifico, de conotação mais artística, contudo a iniciativa desses filmes é mostrar a vida como ela é e emocionar você ao mesmo tempo, fazendo você refletir. Acho que em tempos onde tudo tem de ser muito rápido, e até banheiras que viajam no tempo viram argumento de cinema, prestigiar filmes como esses é importante pois são a real expressão e comunicação através de uma linguagem que é a do cinema. Longe mim querer dizer que eles são melhores do que Blockbusters que aparecem nas salas de cinema, escapismo é valido ao ser humano, só acho injusto quando, por preconceitos, esses filmes não chegam a atingir um publico maior que certamente poderiam atingir. O cinema brasileiro tem muito disso também, mas vem tentando fugir com grandes produções como Chico Xavier, por exemplo.

Agora, por que nova onda do cinema francês sendo que eu só falei de dois filmes. Simples, pois diversos outros filmes seguindo esse viés mais realista foram estreando no decorrer do ano, entre eles o Horas de Verão, o belíssimo Escafandro e a Borboleta (esse como uma recomendação particular) e, a grande estréia dessa semana, Um Profeta, que ganhou o premio do júri do festival de Cannes do ano passado, ficando ai a indicação para esse fim de semana, curtir o que os franceses tem de melhor que é o cinema já que, entrando no clima da copa do mundo, seu futebol vai de mal a pior.


Locais e horarios para assistir Um Profeta

Cine Bombril - Sala 1
18:00 | 21:00 | 15:00 exceto domingo
Espaço Unibanco Augusta - Sala 2
18:00 | 21:00 | 15:00 exceto doming
Reserva Cultura de Cinema - Reserva Cultural 1
18:10 | 21:15 | 15:05 exceto domingo

terça-feira, 15 de junho de 2010

Sobre Pagu e rosas.

A primeira vez em que ouvi falar de Pagu foi em uma época em que eu andava fascinado pelo Modernismo. Curiosamente, o nome Pagu me chamou atenção por destoar da clássica composição nominal pela qual figuras históricas são conhecidas: mesmo os modernistas, cuja proposta de mudança cultural e gramatical incluía um registro escrito do que era oralmente falado, entraram para os livros de literatura e arte com compostos nomes aristocráticos: Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti... Já Pagu não. Apesar de ter nascido Patrícia Galvão, Pagu surge para a história do Brasil no século XX como um apelido que se desdobra em diversas mulheres que atuaram em também diversos campos das atividades intelectuais: literatura, cinema, teatro e uma ferrenha militância política no Partido Comunista.
Trago Pagu à tona por um motivo bem claro: a Casa das Rosas está trazendo, nos meses de Junho e Julho, uma série de exposições, palestras e exibição de filmes acerca de sua vida e obra e, ao passar em frente ao casarão na Avenida Paulista e ver o cartaz que foi pendurado em frente à ele anunciando o evento, me lembrei do quanto essa mulher já despertou meu interesse.
Patrícia Galvão nasceu em São Paulo e morou durante a infância no bairro do Brás. Aos 15 anos já escrevia para uma gazeta local e aos 18 já era íntima da casa de Tarsila do Amaral e de Oswald de Andrade, bem como de todos os outros modernistas (à exemplo de Raul Bopp, que foi quem lhe deu o apelido por pensar que ela se chamava Patrícia Goulart). Escandalizava o que tinha de provinciano na São Paulo daquela época passeando pelas ruas do centro com roupas largas, masculinas, usando um batom forte e escuro. Em pouco tempo torna-se membro do Partido Comunista e passa a atuar como jornalista, chamando as mulheres para sua emancipação e para adentrarem à luta política. Assina a famosa coluna “A mulher do povo” no periódico “O homem do povo”, editado por Oswald de Andrade.
É difícil classificá-la por um chamariz ou uma profissão. Por mais que quisesse dizer “a obra da poeta Pagu”, faltariam ainda a dramaturga, a romancista, a jornalista. Se eu frisasse a atriz Pagu, toda sua vida de militante gritaria para também ser lembrada. Isso só prova que Patrícia Galvão foi mais do que uma mulher a frente do seu tempo – foi, acima de tudo, um ser humano de vanguarda.
Na último documento publicado à seu respeito (o livro Paixão Pagu, uma espécie de “auto-biografia” escrita amadoramente na forma de uma carta para seu marido, Geraldo Ferraz) fica muito explicita a entrega de Pagu à sua luta política: durante os anos em que militou no Partido Comunista, em pleno Estado Novo e com a ditadura de Vargas fomentando a prisão política de todos os intelectuais da esquerda, ela, uma mulher, se propõe a encarnar a luta pela revolução não como uma atividade, mas como um objetivo de vida. Faz concessões, abandona os filhos. É presa, torturada, se exila. Trava contato com o imperador da China e o cultivo de soja – foi ela a primeira pessoa a trazer a soja para o Brasil, acreditando em seu imenso potencial agrário. Vai para a União Soviética e se decepciona com o socialismo implantado por Stálin. Mesmo desiludida, Pagu não se cansa: continua uma outra militância, nas artes, e faz renascer o teatro paulista bem como as casas de cultura de Santos, onde residiu por bastante tempo.
Sobretudo, acho importante a Casa das Rosas trazer a memória de Pagu à tona porque estamos em um momento onde a entrega à um ideal e a defesa de uma causa se alistaram entre as utopias do passado. A liberação feminina muitas vezes se confunde com libertinagem. As artes e o teatro se elitizaram e não se popularizaram. Trazer sua memória à tona é, portanto, levantar mais uma vez um debate acerca de todos esses assuntos.


Para saber mais sobre os eventos de Pagu na Casa das Rosas, clique aqui
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