terça-feira, 15 de junho de 2010

Sobre Pagu e rosas.

A primeira vez em que ouvi falar de Pagu foi em uma época em que eu andava fascinado pelo Modernismo. Curiosamente, o nome Pagu me chamou atenção por destoar da clássica composição nominal pela qual figuras históricas são conhecidas: mesmo os modernistas, cuja proposta de mudança cultural e gramatical incluía um registro escrito do que era oralmente falado, entraram para os livros de literatura e arte com compostos nomes aristocráticos: Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti... Já Pagu não. Apesar de ter nascido Patrícia Galvão, Pagu surge para a história do Brasil no século XX como um apelido que se desdobra em diversas mulheres que atuaram em também diversos campos das atividades intelectuais: literatura, cinema, teatro e uma ferrenha militância política no Partido Comunista.
Trago Pagu à tona por um motivo bem claro: a Casa das Rosas está trazendo, nos meses de Junho e Julho, uma série de exposições, palestras e exibição de filmes acerca de sua vida e obra e, ao passar em frente ao casarão na Avenida Paulista e ver o cartaz que foi pendurado em frente à ele anunciando o evento, me lembrei do quanto essa mulher já despertou meu interesse.
Patrícia Galvão nasceu em São Paulo e morou durante a infância no bairro do Brás. Aos 15 anos já escrevia para uma gazeta local e aos 18 já era íntima da casa de Tarsila do Amaral e de Oswald de Andrade, bem como de todos os outros modernistas (à exemplo de Raul Bopp, que foi quem lhe deu o apelido por pensar que ela se chamava Patrícia Goulart). Escandalizava o que tinha de provinciano na São Paulo daquela época passeando pelas ruas do centro com roupas largas, masculinas, usando um batom forte e escuro. Em pouco tempo torna-se membro do Partido Comunista e passa a atuar como jornalista, chamando as mulheres para sua emancipação e para adentrarem à luta política. Assina a famosa coluna “A mulher do povo” no periódico “O homem do povo”, editado por Oswald de Andrade.
É difícil classificá-la por um chamariz ou uma profissão. Por mais que quisesse dizer “a obra da poeta Pagu”, faltariam ainda a dramaturga, a romancista, a jornalista. Se eu frisasse a atriz Pagu, toda sua vida de militante gritaria para também ser lembrada. Isso só prova que Patrícia Galvão foi mais do que uma mulher a frente do seu tempo – foi, acima de tudo, um ser humano de vanguarda.
Na último documento publicado à seu respeito (o livro Paixão Pagu, uma espécie de “auto-biografia” escrita amadoramente na forma de uma carta para seu marido, Geraldo Ferraz) fica muito explicita a entrega de Pagu à sua luta política: durante os anos em que militou no Partido Comunista, em pleno Estado Novo e com a ditadura de Vargas fomentando a prisão política de todos os intelectuais da esquerda, ela, uma mulher, se propõe a encarnar a luta pela revolução não como uma atividade, mas como um objetivo de vida. Faz concessões, abandona os filhos. É presa, torturada, se exila. Trava contato com o imperador da China e o cultivo de soja – foi ela a primeira pessoa a trazer a soja para o Brasil, acreditando em seu imenso potencial agrário. Vai para a União Soviética e se decepciona com o socialismo implantado por Stálin. Mesmo desiludida, Pagu não se cansa: continua uma outra militância, nas artes, e faz renascer o teatro paulista bem como as casas de cultura de Santos, onde residiu por bastante tempo.
Sobretudo, acho importante a Casa das Rosas trazer a memória de Pagu à tona porque estamos em um momento onde a entrega à um ideal e a defesa de uma causa se alistaram entre as utopias do passado. A liberação feminina muitas vezes se confunde com libertinagem. As artes e o teatro se elitizaram e não se popularizaram. Trazer sua memória à tona é, portanto, levantar mais uma vez um debate acerca de todos esses assuntos.


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